quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Entrevista - Rubem Alves




Matéria do Guia Prático para Professores de Ensino Fundamental I (ed. outubro)

Caminhos para a educação no Brasil

Para o educador, os professores devem orientar os alunos e ensiná-los a pensar, em vez de se prender a uma matriz curricular

Por Vanessa Prata

Polêmico e crítico do sistema de ensino brasileiro, o educador Rubem Alves já propôs o fim do vestibular e a adoção de um sorteio para selecionar os alunos que deveriam ir para a faculdade. Nascido em Boa Esperança (MG), em 1933, é bacharel em Teologia, doutor em Filosofia, psicanalista e professor emérito da Unicamp, além de autor de mais de 50 publicações para adultos e crianças. Confira algumas de suas ideias para melhorar a educação do país.

Como os professores podem contribuir para uma melhor educação no Brasil?

Rubem Alves — Sendo educadores. A melhoria da educação não tem a ver diretamente com leis ou normas, mas com os sentimentos e pensamentos do professor, que precisa ouvir os alunos. A grande tarefa do educador não é dar o que está na grade curricular – odeio essa expressão, já comentei que ela deve ter sido inventada por um carcereiro –, a missão do educador não é dar a matéria, mas ensinar a pensar. Os alunos são obrigados a aprender muitas coisas inúteis, e para quê? Para esquecer um mês depois.

E como o governo pode contribuir com a melhoria do ensino no Brasil?

Rubem Alves — Para começar acho que precisaríamos mudar nossos representantes. Muitos congressistas, com honrosas exceções, não entendem nada de educação. Muitos acham que melhorar a educação é construir escolas, mas isso é mais uma questão eleitoreira, eles inauguram escolas como um “presente” à população: “olha o que fiz para vocês”, mas sem foco no professor e principalmente no aluno.

O senhor já afirmou que a escola é chata. Mesmo tendo que seguir uma matriz curricular, como o professor pode tornar as aulas mais próximas da realidade de seus alunos?

Rubem Alves — A grade curricular obriga os alunos a estudar coisas que não têm nada a ver com a vida. Análise sintática, por exemplo, não ajuda ninguém a ler e escrever melhor, só faz com que os alunos odeiem literatura. O que ajuda a ler e escrever melhor é ler muito. Tenho um livro chamado Vamos Construir uma Casa?, em que proponho que os alunos não aprenderiam coisas abstratas, mas concretas, a partir do seu entorno, do dia a dia.
Essa ideia surgiu após ouvir uma entrevista do navegador Amyr Klink, em que ele cita como ideal uma escola que existe na Ilha Faroe, na Dinamarca, que era ponto de parada dos Vikings em suas incursões guerreiras. Nessa ilha, as crianças aprendem tudo o que precisam para viver construindo uma casa Viking. Aí eu pensei: se isso é possível na Ilha Faroe, por que não seria possível também para as nossas crianças? Claro que não é construir uma casa com tijolo e cimento, mas na imaginação.

O uso de tecnologia é fundamental para o ensino das crianças de hoje, os "nativos digitais"?

Rubem Alves — Sim, é essencial que os professores saibam o que está acontecendo no mundo. A tecnologia está em tudo, até no botão do elevador, ela está aí para ficar e os professores precisam de desenvolver, se “realfabetizar”, e entender seus alunos que já nasceram dentro desse mundo tecnológico.

O senhor é defensor da Escola da Ponte. Que princípios desse modelo poderiam ser aplicados no Brasil?

Rubem Alves — Na Escola da Ponte, os alunos não têm aula. Como assim? São organizados pequenos grupos com um tema comum, e os alunos escolhem um professor para orientá-los durante duas semanas. Nesse tempo, eles pesquisam e ensinam uns aos outros o que aprendem. “Aula” era no tempo em que só o professor sabia a matéria, mas hoje a informação está em todo lugar, não tem por que um professor ficar repetindo um conteúdo, ele deve orientar, ser um guia. O professor não precisa necessariamente conhecer o assunto a ser estudado pelos alunos, ele deve indicar caminhos. Algumas escolas já estão adotando essa ideia de trabalhar com projetos, o que permite um aprendizado mais natural, afinal, como as crianças ensinam umas as outras a brincar? De forma natural, sem nenhuma pedagogia.

Exames nacionais como o ENEM são eficientes para medir o conhecimento dos alunos e servir de parâmetros da educação no país?

Rubem Alves — Já disse várias vezes que devemos acabar com o vestibular e propus sorteio como uma forma mais democrática. Sou favorável ao ENEM desde que ele não vire um novo vestibular. Deveria ser proibido se preparar para o exame, pois ele tem que medir o que ficou de conhecimento, não adianta se preparar na véspera. Um exame com preparação falsifica os resultados, é como dar uma “cola” ao aluno. Além disso, a prova não deveria ser assinada, ou seja, o resultado deveria representar o resultado coletivo, e não o individual.